A família na|mesa de Natal

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Sérgio Augusto Baldin Júnior

As festas de Natal são, via de regra, sempre voltadas para a família, e esse é o assunto desta entrevista: família. Tentamos entender o que significa esse “grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto ou com ancestralidade comum, pessoas ligadas por casamento, filiação ou adoção”, segundo o Dicionário Houaiss. Encontramos Sérgio Augusto Baldin Júnior, diácono pertencente à Congregação Salesiana, para jogar luz no assunto. Licenciado em Filosofia, com extensão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bacharel em Teologia e pós-graduando em Counseling (Aconselhamento) Pastoral, formado em Terceiro Setor e Planejamento, Sérgio, que tem 29 anos e será ordenado padre dia 12 de dezembro, também trabalha com aconselhamento de jovens. Acompanhe agora sua entrevista.

Você consegue definir família?
Dentro dos princípios da nossa tradução cultural, que remota ao século 19, como organização, é composta por aqueles membros que se associam pelo vínculo do matrimônio e têm a abertura para a geração de filhos, e continuam com os vínculos dos outros membros. Só que isso sofreu uma mudança na metade do século 20 para o século 21. Hoje, pela antropologia, trabalhamos com o termo núcleo familiar, que são aqueles que se agregam ao redor de uma mesma comunidade familiar, mas que não necessariamente têm vínculos consanguíneos, ou seja, partilham do mesmo lar, vivem no mesmo lar e são ligados por vínculos afetivos, mas não necessariamente laços de consanguinidade e nem laços diretos, como mãe, pai e filho.

O vínculo afetivo é mais forte do que o vínculo consanguíneo?
Os dois níveis são importantes, tanto a dimensão afetiva como a consanguinidade. São fundamentais biologicamente pela dimensão da espécie, mas cultural e socialmente também.

A mulher foi para o mercado de trabalho e o homem muitas vezes não tem emprego e fica cuidando da casa – na estrutura familiar, isso mexe com a cabeça da criança?
Mexer não seria bem o sentido. É preciso haver diálogo em situações que mudam o modelo social. A mudança do modelo social não incide diretamente na questão de valores que se atribui ao pai ou à mãe. O importante é que esses papéis sejam muito claros. E eles estão sendo alterados, por diversas situações, nas cabeças dos pais. Eles precisam conversar entre si sobre isso, conversar com os filhos, buscar ajuda e ter intervenções de pessoas que possam auxiliar nesse processo, se eles identificarem que existem alguns conflitos.

Trabalhando com aconselhamentos, você nota que esses diálogos existem numa situação como essa?
Em alguns casos, sim. Em algumas situações mais esclarecidas. Não estou falando em nível de informação, mas de pais que tem uma caminhada de informação da própria vida. Eles conseguem dar esse passo para constituir a família; outros, mesmo muitos bem informados academicamente, são fechados nesse sentido e os diálogos não acontecem.

Qual é seu trabalho com jovens?
Temos um trabalho de assessoria da pastoral, com objetivo, como salesiano, de ajudar o jovem no processo em relação à fé, e aí não é fundamentação pragmática religiosa. Educação à fé é ajudá-los a dar sentido à própria vida a partir da existência do chamado do desejo de Deus. São jovens internos da Fundação Casa, jovens dependentes químicos e até jovens que estão se descobrindo vocacionalmente para o projeto de formação, de faculdade, de primeiro emprego.

É possível notar na formação deles a falta de estrutura familiar?
Sim, mas isso não é regra. Há um risco muito grande de generalizar as coisas, de que famílias desestruturadas geram jovens problemáticos, que vão entrar em conflitos com a vida. Isso não existe. Pode potencializar algumas situações ou outros desestruturamentos, porque as famílias não agem como reguladora desses jovens e elas têm o papel regulador da vida desse jovem dentro de determinados princípios de padrão. Mas uma família pode estar formalmente constituída de pai, mãe, filhos, avôs, tios, todo mundo certinho dentro dos padrões tradicionais, e eles não conseguirem estabelecer o processo educativo em relação ao filho. O filho não vai ter esse parâmetro de limite. A questão é como se educa e não a estrutura à qual as pessoas estão sujeitas naquele determinado momento histórico. Sempre é importante o como e não o por quê.
Muitos jovens de classe média, teoricamente com boa formação, são tão transgressores, ou mais, do que jovens que não têm essa condição.
Sim, por exemplo, um jovem que foi cuidado somente pela avó, dentro do contexto de tráfico de drogas, ele não necessariamente vai estar envolvido com esse processo. Muito pelo contrário, ele pode traçar um caminho de vida dentro de valores que vão torná-lo uma pessoa muito boa.

E os casais homossexuais? Isso é uma realidade.
É um tema polêmico. Há uma questão de fundo psicológico justamente em relação à identidade. Se um casal adotar uma criança, ela  vai atribuir a dimensão do masculino e do feminino, que são fundamentais dentro do processo de desenvolvimento humano. Estou falando da dimensão sociológica, psicológica e antropológica, não religiosa. Há definição de papéis e função sociais que são importantes dentro do processo de desenvolvimento da criança, e valores que vão ser construídos a partir disso. É possível existir e viver adequadamente um projeto de felicidade dentro de um projeto autônomo de vida sem alguns desses fatores? Temos ‘n’ exemplos que nos mostram que sim, de crianças, de jovens que mostram que depois vão se desenvolver muito bem a partir da ausência de alguns desses elementos. O importante no processo de educação e de consolidação da família não é necessariamente a condição que ela está hoje, mas a o significado que se confere à vida de cada uma dessas pessoas que compõem a família. Isso é o valor fundamental.

Mas a Igreja é contra a união dessas pessoas.
Como instituição e como magistério, ela é contra. Ela tem que se colocar de maneira contrária para voltar sempre ao modelo do processo ideal, mas ela não deixa de acolher pastoralmente todos esses processos. Isso é bonito. A igreja nunca vai deixar de acolher pastoralmente e trabalhar e propor ajuda no melhor possível de cada família, cada pessoa que estiver nessa situação. Porque senão ela vai deixar de lado o próprio princípio do evangelho e ela não pode cair em contradição nesse sentido.
A mídia tem muita influência sobre a família?
A mídia apresenta sempre o modelo familiar, nas propagandas só tem casais perfeitos, com casais de filhos. É obvio que esse modelo tem conflitos internos, porque ninguém é perfeito, todo mundo está a caminho. Qual é a grande responsabilidade da mídia? Ela nunca apresenta o processo que pode levar a um equilíbrio dentro do modelo tradicional e o equilíbrio dentro dos outros modelos que aparecem hoje, como segunda união, casais separados, divorciados, casais homossexuais e tudo mais. Como isso é entendido socialmente? Quais os conflitos que geram esses modelos e o modelo tradicional? Todos os modelos têm conflitos, dificuldades. Sem dúvida, a responsabilidade da mídia está em humanizar os processos. São seres humanos que compõem essas famílias.

Deixe uma mensagem de Natal para as famílias lapeanas.
O centro do Natal não é simplesmente dar e trocar presentes, isso são necessidades sociais. O centro é o modelo de família que é proposto por Deus a partir de Cristo: José se dispõe a assumir Jesus e se torna pai adotivo dele, Maria assume o projeto de vida de Deus, ela vai ter que oferecer seu filho e sua vida também para acolher Jesus, para acolher o nascimento e a encarnação de Cristo. É de uma família não organizada a partir dos padrões tradicionais que temos a fé. Dali nasce a salvação da humanidade e essa salvação depois se transforma em luz. Então que o Natal sempre renove esses valores, e renove a fé que é alicerçada em Jesus Cristo.

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