Dois temas que opostos, religião e sexualidade, são tópicos de discussão e controvérsia em qualquer grupo. Gina Strozzi é graduada em pedagogia, teologia e psicologia, especialista em Sexualidade Humana, mestre e doutora em Ciências da Religião, e entende como ninguém sobre o assunto. Ela realiza muitas pesquisas sobre isso entre as aulas que leciona na Universidade Mackenzie e na clínica em que atende. Nesta entrevista, ela nos conta um pouco sobre como um tema influencia a vivência no outro e como eles são discutidos hoje em dia.
Como se dá a relação entre a religião e a sexualidade?
Quando entendemos a questão da religião, entendemos como alguém que está ligado ao sagrado. Sempre as interdições com relação à sexualidade voltadas para qualquer religião estão baseadas na noção de que você tem que se dedicar inteiramente ao sagrado, ao divino. Qualquer distração tira você da meta que é adorar a Deus, a Alá, santificar o seu ser. Se compreendermos isso, sabemos que o poder da sexualidade é o primeiro que será interditado, porque ele é muito forte no ser humano. É muito prazeroso, libidinal, no sentido de que essa energia liga essas pessoas a outras pessoas e aí levaria à distração.
Há alguma religião que não tenha uma restrição muito grande à sexualidade?
O budismo talvez seja a religião que melhor concentra a questão da sexualidade. Ele vê o corpo não como algo que intermedia ele ao sagrado. A noção protestante, a cristã em geral, tem a ideia de que a profanação, a promiscuidade, a prostituição, a fornicação são todos termos que estão ligados ao pecado da carne, que desviaria o sujeito do ideal maior, que era adorar a Deus que, na verdade, está muito ligado à questão da própria Igreja. No budismo, é como se o próprio corpo adorasse. As religiões monoteístas são muito restritivas em relação ao sexo, porque elas têm condições para o sujeito ser salvo, adorar a Deus, etc.
Qual seria o motivo da proliferação de igrejas no Brasil?
O Brasil é um dos países que mais têm igrejas instaladas. Cada bairro tem uma diversificação enorme, desde seitas que são mais restritas, até religiões mais abertas. Vemos o Padre Marcelo, o Padre Fábio de Melo movendo multidões. Parece uma grande contradição: em tempos que o mundo está se secularizando, se despindo de qualquer tipo de segmento, de doutrina, você vê do outro lado o crescer dessas religiões. Porque as questões social, econômica, de educação são complexas. Quando esses setores humanos começam a falir, a instância da religião tende a se avantajar na mesma proporção.
As pessoas estão mudando mais de religião?
Acho que tem a questão da pertença religiosa. Hoje existe de fato um trânsito religioso maior, mais livre. Antigamente, o sujeito nascia e morria naquela religião. Hoje vemos até castas de hindus, de indianos se movendo. O trânsito é maior porque se a minha religião não responde aos meus anseios e necessidades, eu transito para um outro lado. E na mesma proporção, cresce os que não têm religião, que abrem mão de qualquer segmento, qualquer lei superior a eles.
Por que elas buscam a religião?
Não só em momentos de caos, de doença, de tragédia na família, ou de calamidade financeira. Acredito que o ser humano tem uma tendência a se ligar ao sagrado, apesar de todo esse contexto que vivemos hoje, muito hedônico, de muito prazer e liberdade, de qualidade do sujeito. No geral, em momentos de muita felicidade, um sujeito pode agradecer, e de muita necessidade, ele busca pedir, se agarrar em alguma coisa, e a religião está muito presente.
A repressão da sexualidade está ligada à religião?
Muito. E imprime na questão da educação: como os pais educam os filhos, o quanto eles falam sobre a sexualidade, como falam, como reagem? Temos até hoje mães que as crianças perguntam o que é sexo e elas fazem cara de espanto. E elas transmitem para as crianças a ideia de que a sexualidade deve ser uma coisa ruim, perigosa, e causa um sentimento de castração nas crianças. E não só nas crianças. Eu coordeno algumas pesquisas que apontam que sujeitos de 25 anos para cima, herdeiros dessa noção de mães da década de 1960, 1970, 1980, que os pais nunca falaram sobre isso com eles. E isso está ligado ao silêncio com relação à sexualidade. Sempre vivemos a sexualidade, mas nunca comentamos, discutimos sobre ela. A religião continua sendo um dos grandes impeditivos de tratar a questão da sexualidade com mais liberdade, autonomia e consciência.
As pessoas estão mais liberais em relação ao sexo ou ele ainda continua um tabu?
Elas estão procurando muito respostas para a própria sexualidade. Eu tenho um consultório em que os pacientes falam que querem conhecer melhor, de uma forma segura, a respeito da própria sexualidade, de experiências que viveram na infância, coisas que podem refletir hoje no relacionamento deles. As escolas me chamam para dar palestras, cursos, capacitação de professores e profissionais que estão preocupados em compreender a questão da sexualidade. Mas tem uma coisa que é muito importante: a sexualidade sempre esbarra numa questão que é muito pessoal, moral, que implica nas questões religiosas, de herança de família, das ideias que ela defende.
E em relação à opção sexual?
Hoje, discussões como homossexualidade, bissexualidade são muito efervescentes dentro da sociedade. A gente tem as paradas gays no mundo, onde há uma grande movimentação de pessoas. Querendo ou não, isso movimenta os valores da família porque vemos isso, temos amigos, irmãos, alguém da família com orientação sexual diferente. E isso começa a se aproximar de nós e temos que tomar pé da situação em termos de, no mínimo, informação e consciência. Daqui para a frente, as discussões vão gerar muito boas informações.
E a educação sexual nas escolas?
Um professor tem que ter muito critério e compreensão do assunto, porque ele não está ali para dar a opinião pessoal dele. Ele está ali para abrir a discussão, ouvir, expor as interfaces, mostrar como é tratado um assunto. Ele nunca pode pessoalizar as situações ou os conceitos, mas sempre tratar de uma forma que busque primeiro a prevenção, os cuidados, depois a informação consciente com muita responsabilidade para levar o aluno a crescer em âmbitos do conhecimento da própria sexualidade.
Qual a importância da educação sexual desde cedo com as crianças?
Acho que a escola e a família têm sua função. Pais que se calam, que maltratam as crianças, que as punem quando elas perguntam sobre o assunto provocam comportamentos altamente clandestinos. Se ela entende que não pode falar com eles sobre aquilo, ela leva a repressão para trás da cortina. Ela pode patologizar uma situação que poderia ter sido tratada com muita tranquilidade. A família é um lugar de se tratar a sexualidade em primeira instância, de como são os processos naturais de engravidar, por exemplo. E de uma forma simples, direta. Você nunca viola, violenta a criança. Sempre parte do princípio de que a criança sabe, aproveitando a própria fantasia dela, trazendo as questões que são pertinentes para a idade dela.
As pessoas estão se compreendendo mais sexual e religiosamente? Elas estão aceitando mais umas às outras?
Isso envolve a liberdade em geral, a questão das diferenças. Hoje a gente tem uma luta por direitos de equidade no mundo inteiro contra o preconceito, a falta de informação, que leva a tantas ignorâncias. E isso envolve a sexualidade e também a religião. Em termos de sexualidade e religião, a falta é um problema e o excesso também. A questão do equilíbrio é fundamental.