A Vila Madalena|e suas mudanças

0
1923

Foto:

Vanessa Pinheiro Dantas e seu trabalho

A Vila Madalena já foi tema de novelas e músicas. Mas são poucos os estudos acadêmicos sobre o bairro. Graduada em Turismo, professora da Universidade de Sorocaba e mestre em Hospitalidade, Vanessa Pinheiro Dantas usou o bairro como tema para sua tese de mestrado. Durante um ano e meio estudou as mudanças ocorridas por meio de entrevistas com moradores mais antigos do bairro. Nesta entrevista, ela conta sobre suas descobertas para seu trabalho: Vila Madalena – Imagens e representações de um bairro paulistano, que está disponível no site do Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br).

O que te levou a fazer uma dissertação de mestrado sobre o bairro?
Eu nasci e morei 27 anos na Vila Madalena. Quando eu entrei no mestrado eu já tinha desejo de fazer alguma coisa sobre o bairro. Era um desejo de estudar por ter nascido lá, pela convivência, por gostar da Vila, por ter deixado de morar na Vila e não ter deixado de frequentá-la.

Como escolheu o tema?
No início, quando eu encontrei com a minha orientadora, eu tinha outro tema. E numa conversa, ela descobriu essa paixão que eu tenho pelo bairro e começou a me instigar. Uma das coisas que chamou mais a atenção foram as transformações que aconteceram ao longo principalmente das duas últimas décadas. Tinha uma curiosidade de saber como aconteceu tudo isso.

E como aconteceu a seleção dos entrevistados?
Na verdade, foram pessoas da minha convivência mesmo. Inicialmente, ficou acordado o seguinte: já que eu quero pensar nas transformações dos últimos 20 anos, eu preciso de pessoas que moram pelo menos há 20 anos na Vila. Escolhemos uma faixa etária de no mínimo 50 anos. O trabalho fala muito de memória. O resultado do trabalho são algumas representações, o que a Vila representa para eles. É qualitativa, foram entrevistadas 6 pessoas. As entrevistas duravam cerca de 1 hora. E era uma análise de todo esse conteúdo.

Que mudanças aconteceram no bairro no decorrer de 20 anos?

Muitas coisas. Talvez o mais comentado foi a verticalização. E uma verticalização elitizada. São prédios de alto padrão que vão sendo construídos e que mudam completamente o perfil da Vila. No começo não era um bairro conhecido. Quando eu era criança, me perguntavam onde eu morava, eu tinha que falar Pinheiros, porque se falasse Vila Madalena as pessoas não sabiam onde era. Algo que foi bastante detectado também é que a Vila, embora tenha um decréscimo populacional, tem um fluxo muito intenso de pessoas que trabalham ali, tanto de dia como de noite, que muda completamente o perfil.

Quais tipos de perfil durante o dia e à noite?
Durante o dia você tem os ateliês, as lojas de grife, os restaurantes, um comércio bastante intenso. E uma população flutuante que tanto trabalha nesse comércio quanto faz uso dos serviços. E a ela também foi citada pelos entrevistados como bairro de passagem, uma alternativa às grandes vias da cidade. Uma forma de cortar caminho. E à noite é completamente diferente. No meu trabalho, eu falo que surgiu uma boemia comercial, diferente do que ela era antes. A boemia de antes, era o morador da Vila Madalena que ia ao bar para encontrar com os amigos para uma relação de sociabilidade. Ele estava no Empanadas, no Sujinho ou no Bartolo. Era uma relação muito intensa. Hoje não. Ela continua sendo boêmia sim, porque tem uma quantidade de bares bastante significativa, mas eles são um atrativo turístico.

As pessoas ainda mantêm traços de antigamente?
Algo importante num bairro é o encontro entre os moradores. E na Vila eles mantêm isso na feira livre de sábado. É um lugar onde os madalenos, os moradores antigos, se reúnem e passam o dia perto de uma barraca de pastel ali na Aspicuelta. É um ponto de encontro vivo ainda. Se eles não têm mais os bares, por uma série de motivos, isso ainda ficou. Isso é muito legal.

Há algo que você não sabia sobre a Vila e descobriu por meio do seu trabalho?
A elitização e a verticalização já eram fatos muito claros. O que mais me chamou a atenção foi que sempre a achei um bairro mais de esquerda. Mas fui atrás dos colégios eleitorais, vi os números de votos, analisei os partidos. E ela faz parte de uma elite, é conservadora, ela não é nada de esquerda. Isso acho que foi o que mais me chocou.

Antes da pesquisa, você também sentia essas mudanças do bairro?
Quando você vai fazer sua pesquisa, você está carregada de informação. E você precisa romper esse caso de amor com o objeto para olhar para ele e conseguir criticá-lo, analisá-lo. Eu tinha um romantismo de achar que a Vida Madalena era mais alternativa. Os ateliês de hoje, as lojas de grife… é tudo tão caro. Não é mais aquela coisa de estudante da USP, duro, que morava na edícula do português.

Em que pontos essas mudanças foram positivas e negativas para o Vila Madalena?
Algumas coisas poderiam ter sido melhor planejadas ou organizadas, mas acho que fica difícil falar que isso ou aquilo não deveria ter acontecido. Tem um lado positivo que, no momento em que a Vila fica famosa, vira nome de novela, ela se torna conhecida nacionalmente. Nesse momento você tem uma valorização dos imóveis. E o morador não tem como falar que não gostou. Eles reclamam muito da questão da bagunça, violência e até um pouco da segurança. Acho que a grande problemática são esses problemas que foram gerados.

Como você classificaria a Vila Madalena hoje?
A Vila não é mais aquilo que era, por todas essas questões: alternativa, de esquerda, artística, musical. Mas tem uma coisa que ninguém sabe explicar que é o charme da Vila. Talvez uma palavra que possa classificá-la é que a Vila Madalena é charmosa. Ela tem uma coisa que é só dela. E faz com que os entrevistados reclamem, falem das transformações, mas não queiram mudar de lá de jeito nenhum.

Você disse que sempre gostou muito do bairro. Depois de pesquisá-la, isso mudou?
Eu sou apaixonada pela Vila. Às vezes, quando você pega um trabalho e termina, você não consegue mais olhar para o objeto de estudo. Mas isso definitivamente não aconteceu comigo. Hoje eu conheço muito a Vila Madalena, todos os cantinhos. Eu acho que eu entendo melhor a Vila. Tenho um olhar que é muito mais crítico. E gosto muito.

www.adisparatada.blogspot.com

NO COMMENTS

LEAVE A REPLY