A vida zen|da monja Coen

0
2068

Foto:

A monja Coen

No registro civil é
Claudia Batista de Souza. Agora ela é conhecida como monja Coen, nome
que recebeu quando entrou no zen-budismo e foi ordenada em 1981. Até
então teve uma vida bem atribulada. Foi mãe aos 15 anos e casou algumas
vezes. Viajou pelo mundo e chegou a ficar presa na Suécia por conta de
drogas. Em Los Angeles (EUA), encontrou o zen-budismo e a partir daí
sua vida mudou. Entrou para o mosteiro zen-budista. No Japão, estudou
em um mosteiro exclusivo para mulheres. Voltou ao Brasil em 1995, para
difundir o zen-budismo e participar de ações pela paz e pelo meio
ambiente. Escreveu dois livros sobre o budismo. O romance Monja Coen –
a mulher nos jardins de Buda, de Neusa C. Steiner (Mescla Editorial)
foi baseado em sua vida. Aqui, ela fala de sua história e como o
budismo vê situações que vivemos no dia a dia.

No ritmo agitado de vida que levamos, a espiritualidade tem espaço?
Ela
se manifesta no nosso dia a dia, em nossa maneira de ser e de ver o
mundo. Tem gente que só pensa nos lucros, no material. Há pessoas que
percebem ter alguma coisa que transcende a materialidade mas que está
presente na matéria. Isso é o que as pessoas podem chamar de
espiritualidade. A ética está muito envolvida com isso. Sua Santidade,
o Dalai Lama, insiste em dizer que precisamos de uma nova ética para o
novo milênio.

As pessoas se esquecem que vivemos em comunidade…
Sim.
Compartilhamos do mesmo ar, da mesma água. Algumas pessoas pensam que
vivem em uma coisa separada. E o que a espiritualidade ou religiosidade
vem trazer é que estamos conectados com alguma coisa maior do que nós.
Maior do que o meu “euzinho”. E ele se manifesta de inúmeras formas.
Com causas e efeitos.

Por exemplo?
O trânsito.
Quando está congestionado, qual é olhar espiritual? Estamos todos
nisso, não estamos sozinhos. Não sou a única pessoa presa no trânsito.
O que faço? Reclamo? Xingo? Resmungo? Ou aprecio o que está
acontecendo? Eu escolhi viver em uma cidade grande com tantos carros e
tantas pessoas. É a minha escolha.

E o que a senhora faz quando fica presa em um congestionamento?
Eu
sempre tenho um livro no meu carro. Até fico torcendo que o trânsito
pare para eu ler mais um pouco. Use o seu tempo de maneira preciosa e
sagrada. Reconheça os obstáculos como parte do caminho.

E o consumo? Como evitar o descontrole?
Dentro
do nosso sistema capitalista, as vendas de final de ano são
importantes. As pessoas mais simples dão mais presentes do que as que
têm mais. O que é prejudicial. Como tudo na vida, depende do meio
termo. Se eu não estiver centrada com o que preciso e quero fazer,
acabo comprando o que não preciso. E o problema é que a gente não sabe
onde pôr e não sabe dar, compartilhar. No Japão, por exemplo, há duas
trocas de presentes no ano: no verão e no inverno. Quando as pessoas
ganham muitos presentes, elas passam alguns para os outros.

E quem perde o controle, acaba se endividando…
Além
de perder o sentido pelo qual vai comprar. Isso tem a ver com
depressão. Buscam nas compras o que lhe falta. E aí vem as dívidas.
Você precisa planejar e organizar a sua vida para não abusar.

A cada virada de ano fazemos promessas e algumas vezes não conseguimos cumprir.
Não
tem época para planejar a vida. É preciso equilibrar. Todos os dias a
gente se propõe a ser melhor. Não existe um ano novo no dia 31 de
dezembro. Cada instante é um novo instante. A vida é para ser lúdica.
Precisamos viver de maneira mais sustentável. Precisamos cuidar do
planeta. O fato de não conseguir imediatamente não diminui meu
objetivo, meu propósito. Posso não ter conseguido no ano passado, mas
posso conseguir neste ano.

O importante é não desistir?
Um
monge do século VII já disse: “Caia sete vezes e levante oito”. Quando
começamos a andar, tivemos dificuldades mas não desistimos. Não desista
de seu propósito.

E na política. Por que temos tantos escândalos?
É
um modelo errado que está sendo passado de geração para geração. Em vez
de estar desperta, como Buda que acordou para a verdade, a pessoa quer
ser esperta. Mas ela será pega mais adiante. Isso é muito bom que
aconteça para que as pessoas aprendam.

Como se convive com esses comportamentos?
O
que eu faço é motivar as pessoas a viver com ética. É a minha
contrapartida. Procuro ser ética e transparente na minha vida e me
cuido muito. Todos nós estamos nos vendo. O mundo nos vê. Vivemos
interligados.

De que maneira o zen-budismo se relaciona com o dinheiro?
O importante é não colocar o dinheiro na frente. Nós o criamos para facilitar nossa vida. As pessoas não devem se apegar a ele.

Mas não dá para viver sem ele.
Sempre
falo para os meus alunos, quando perguntam como aumentar a renda da
nossa comunidade: não podemos colocar o dinheiro na frente. Se vier a
acontecer é porque estamos fazendo uma coisa boa, que está beneficiando
pessoas. Eu penso: qual é o bem que eu posso fazer para as pessoas e
que dê retorno para pagar as despesas e, quem sabe, crescer?

A sua principal atividade é divulgar o zen-budismo?
Sim.
Vou usar os meios que forem necessários para isso. Fui repórter do
Jornal da Tarde e isso me abriu várias portas. Sei que muitas vezes o
que se diz para a imprensa não sai conforme foi dito. Mas não tem
importância. É uma forma de dizer que o budismo existe.

A sua vestimenta ainda causa algum espanto?
Me
visto assim desde 83 quando fui ordenada monja. O fato de ser mulher,
careca, faz a pessoa parar e pensar e isto é o ensinamento de Buda. Dom
Cláudio Hummes, ex-arcebispo de São Paulo, dizia que gostaria que os
padres voltassem a usar as roupas de antigamente e que fossem
conhecidos como tal. Isso é pregação religiosa. Quem vê um religioso na
rua sabe que isso é uma opção de vida.

A senhora é muito abordada na rua por isso?
Agora
nem tanto. Muitas vezes, as pessoas me perguntavam se eu estava fazendo
quimioterapia. O cabelo não é beleza. Buda raspou o cabelo para mostrar
que ele não pertencia a nenhuma casta e não seria identificado pelos
seus bens. É para ser identificado pela opção de vida.

O que as pessoas podem fazer para melhorar o mundo?
O
zen-budismo trabalha com a capacidade de se tornar iluminado. A
natureza e nós não estamos separados. Nós precisamos cuidar da nossa
casa, do nosso corpo. Os jovens hoje estão envolvidos com o meio
ambiente. Essa conscientização está sendo passada na escola, na mídia.
É uma mudança, um olhar diferente. Precisamos mudar para podermos
sobreviver.

O livro A Monja nos Jardins de Buda, da escritora
Neusa Steiner, se baseia em sua biografia. A Claudia Dias Batista de
Souza (nome da Monja Coen) e a Sílvia (personagem do livro) são a mesma
pessoa?

Em alguns momentos sim e outros não. Os eventos, sim,
aconteceram de fato. Meu pai não era a pessoa que ela descreve. Ele era
loiro, era pobre, tinha três empregos. Meu avô era professor e tinha
dificuldade para manter a família. Minha mãe era professora primária e
dava aulas em Santos. O casal se encontrava nos finais de semana.

A senhora autorizou a publicação do livro.
Sim,
mas pedi para ela mudar os nomes das pessoas. Quando eu comecei a ler,
eu pensei “isso não sou eu e nem é a minha história”. Não quis que ela
reescrevesse o livro inteiro. E não tinha tempo para dar tantos
detalhes. Na verdade, o livro não era para ter nem o meu nome. Mas a
editora disse que não editaria o livro se não tivesse meu nome. Ficou
uma misturinha.

São muitas as diferenças entre os budismos?
É
como se fôssemos comparar o cristianismo, que tem uma raiz comum, que é
Cristo, e as inúmeras ordens diferentes dentro dele. No Brasil, se
conhece pouco sobre o budismo. A base é Buda. Mas, a partir dele,
surgiram inúmeras ordens religiosas. Temos o budismo mais antigo e
tradicional, no sul da Ásia. No norte da Ásia ele é mais flexível, se
adaptou aos dias atuais. Para alguns, o nirvana será alcançado depois
da morte. O zen-budismo acredita que é nesta vida. São tradições
diferentes.

E o budismo japonês?
Tem várias ordens. O
zen-budismo, ao qual pertenço, é uma das ordens que no Japão tem muitos
adeptos. Depois, vem a Terra Pura, que é a maior no Brasil, trazida
pelos imigrantes.

Como a senhora iniciou as caminhadas pelos parques?
Quando
abri essa comunidade, na casa de um aluno. Comecei a fazer as
caminhadas pelos parques da cidade. Ela acontece todos os terceiros
domingos do mês no Parque da Água Branca. É aberta para qualquer
pessoa. É uma meditação silenciosa. Caminhamos sentindo o chão, a luz,
a sombra, a temperatura. Que cada passo seja um passo de fato.

Quem quiser assistir uma palestra sua como faz?
Todas
as terças-feiras eu faço uma palestra que é aberta a todos. As pessoas
vêm aqui por causa do zen-budismo e não pela monja Coen.

Comunidade Zen Budista
Rua Desembargador Paulo Passalaqua, 134
Telefone 3865-5285
www.monjacoen.com.br

NO COMMENTS

LEAVE A REPLY